Bacharéis na OAB sem Exame de Ordem?
Dois bacharéis em direito ingressaram com mandado de segurança na Justiça Federal do Ceará para terem efetivadas suas inscrições na OAB sem a prévia aprovação no exame de ordem. Receberam liminar favorável e inédita em segunda instância e aguardam decisão do STF
Uma liminar determinando que a OAB inscreva bacharéis em direito como advogados, sem exigir aprovação no Exame Nacional da Ordem, concedida pelo Tribunal Regional Federal do Ceará (TRF- 5ª Região), em 13/12/2010, disparou aceso debate nacional sobre o tema. Inda mais que a decisão baseou-se na inconstitucionalidade da exigência do Exame e na ilegitimidade da Ordem dos Advogados em realizá-lo, considerando ainda que entre as finalidades da OAB não está a de “verificar se o bacharel em ciências jurídicas e sociais, que busca se inscrever em seus quadros pode exercer a profissão que o diploma superior lhe confere”.
Eis alguns trechos da decisão:
A douta decisão agravada, f. 16-20, indeferiu a liminar, dentro do entendimento que reclama citação:
Nesse matiz, deve-se ter em mente que a Constituição Federal, em seu art. 5º., XII, ao assegurar o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, afasta quaisquer ilações no sentido da inconstitucionalidade da norma inserta no inciso IV do art. 8º. Da Lei 8.906/94, ante a sua natureza de norma de aplicabilidade imediata e eficácia contida, reduzível ou restringível, o que significa dizer que a lei pode estabelecer qualificações para o exercício da advocacia, como fez, de fato, o art. 8º, da Lei 8.906/94, ao exigir o Exame de Ordem, f. 19.
Pois muito bem.
No enfrentamento da matéria, excluí-se o fato de ser a única profissão no país, em que o detentor do diploma de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, ou do Bacharel em Direito, para exercê-la, necessita se submeter a um exame, circunstância que, já de cara, bate no princípio da isonomia.Para o desembargador cearense Vladimir Souza Carvalho, relator do recurso, o Estatuto da OAB, que garante à Ordem a seleção dos advogados em toda a República Federativa do Brasil, invalidaria a realização de avaliações realizadas no decorrer do curso pelas instituições de ensino. "Trata-se de esforço inútil, sem proveito, pois cabe à OAB e somente a ela dizer quem é ou não advogado."
Mas, não fica só aí.
A regulamentação da lei é tarefa privativa do Presidente da República, a teor do art. 84, inc. IV, da Constituição Federal, não podendo ser objeto de delegação, segundo se colhe do parágrafo único do referido art. 84.
Se só o Presidente da República pode regulamentar a lei, não há como conceber possa a norma reservar tal regulamentação a provimento do Conselho Federal da OAB.
Saindo do campo constitucional, pairando apenas no da lei ordinária, ao exigir do bacharel em ciências jurídicas e sociais, ou, do bacharel em Direito, a aprovação em seu exame, para poder ser inscrito em seu quadro, e, evidentemente, poder exercer a profissão de advogado, a agravada está a proceder uma avaliação que não se situa dentro das finalidades que a Lei 8.906 lhe outorga (...).
AGTR 112287/CE (0019460-45.2010.4.05.0000)
ORIGEM: 2ª Vara Federal do Ceará
RELATOR: Desembargador Federal VLADIMIR SOUZA CARVALHO
Pronta reação da OAB
A decisão do Tribunal provocou imediata reação do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, que afirmou (em nota) que a Ordem
[...] não vai descansar enquanto não for reformada essa decisão. Vamos usar de todos os recursos necessários para atacar essa decisão e tenho certeza que o Supremo Tribunal Federal vai julgar esse caso e colocar uma pá de cal definitiva nessa questão ainda no final de ano.Para Cavalcante, a decisão não reflete a melhor interpretação da Constituição Federal.
É uma decisão que tem uma visão restritiva a respeito do papel da Ordem dos Advogados do Brasil conferido por lei federal. O legislador, ao conferir a possibilidade para que a OAB formulasse o exame de proficiência, que é chamado Exame de Ordem, ele pretendeu que houvesse um controle de qualidade do ensino jurídico no país (...)O presidente da OAB salienta ainda que seria
Então, a Constituição diz – e isso é citado na decisão do desembargador – que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, ‘atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’. É justamente essa qualificação profissional que a lei estabeleceu: para que a pessoa possa ser advogado, tem que fazer o Exame de Ordem, a fim de que se verifique se ela, enquanto bacharel, futuro profissional, operador do Direito, tem condições, ainda que mínimas, para ingressar no mercado e defender dois bens que são vitais para as pessoas, que são a liberdade e o patrimônio (...)
[...] confortável para a entidade não ter o exame, pois ela teria hoje 2 milhões de advogados registrados, em vez de 720 mil. Ela não está preocupada com quantidade e sim com a qualidade de seus quadros. E nesse sentido tem trabalhado de uma forma muito efetiva na defesa da qualidade do ensino jurídico”, defende o presidente da entidade.Razões e contra-razões
Entusiasmado com à decisão do TRF-5ª, o presidente do Movimento Nacional de Bacharéis em Direito (MNBD), Reynaldo Arantes, disse que a liminar da Justiça Federal deve ser comemorada, pois é a primeira vez que uma decisão em segunda instância reconhece à inconstitucionalidade do exame.
Entre os estudantes ouvidos pelo jornal Correio Brasiliense, no dia da decisão, a maioria aprovou o entendimento do desembargador Vladimir Souza Carvalho:
Se a gente estuda durante cinco anos e passa nos exames da faculdade, isso quer dizer que estamos prontos para enfrentar o mercado de trabalho (Amanda Moreira Andrade, estudante do 7º semestre de direito).Para José Mesquita, bacharel em Direito, o exame é elitista e excludente, devido ao custo.
Em decorrência dos tantos problemas no exame nos últimos anos, é mais viável para o bem do bacharelado não ter mais as provas. Os órgãos que as aplicam perderam a credibilidade (Ronaldo Bispo Lima, estudante do 9º semestre)
Além do preço da inscrição, tal exame tem alimentado uma industria de cursos preparatórios que muitos como eu não podem custear. Por outro lado, é inaceitavel que após 5 anos de estudo com centenas de provas e outras formas de avaliações, a OAB seja detentora do direito através de uma única prova de dizer que pode e quem não pode exercer a atividade para o qual foi qualificado (José Mesquita, 22/12/2010).As opiniões contrárias focalizaram o fato de ser essencial o Exame de Ordem para colocar no mercado profissionais aptos a exercer a advocacia. Para Diogo Luiz Araújo, aluno do 8º semestre, "não é questão de concorrência, você tem de acertar 50% da prova, ou seja, saber metade do que aprendeu na faculdade", calcula.
O fato é que o Exame de Ordem não é responsável pela melhor qualidade dos advogados e muito menos pela qualidade do ensino de Direito, muito defasado, superficial e incompleto, apesar de seus cinco anos de duração. Na opinião do jornalista Flávio Flora, bacharel em Direito, o Exame de Ordem é uma fonte de renda em duas plataformas: para a Ordem, que inscreve os aprovados em seus quadros, cobrando por isso (e só teria lucro com o fim do exame, pois passaria a ter mais de dois milhões de inscritos); e para os proprietários de cursinhos de preparação, que se integram em rede com as escolas de Direito, aproveitando-se das precariedades da educação superior no País.
A decisão do desembargador do TRE-5ª, além de confirmar a ilegitimidade do Exame Nacional de Ordem, faz refletir sobre o ensino de Direito no Brasil, as finalidades da OAB e o exercício profissional da advocacia. A questão posta no centro dos debates é sobre a formação do advogado. Se os cursos superiores tivessem qualidade, a verificação rigorosa do aprendizado, o estágio e a pesquisa feitos durante o aprendizado (como requisitos de formação) seriam suficientes para qualificar a pessoa. (Flávio Flora, 27/12/2010)
Matéria será apreciada pelo STF
Mas, com discussões e opiniões pessoais à parte, a liminar do TRF-5 foi agravada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que recebeu o pedido de suspensão de segurança feito pelo Conselho Federal da OAB e pela Seção Ceará da OAB, mas não deverá julgá-lo.
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ari Pargendler, disse que o Supremo Tribunal Federal é quem decidirá o mérito da liminar do desembargador Vladimir Souza Carvalho, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), de 13 de dezembro, que suspende a obrigatoriedade da aprovação no exame de ordem da OAB a bacharéis em direito para exercício da advocacia.
A assessoria de imprensa do STJ afirma, em nota (27/12/2010), que consta do pedido que, caso a liminar não seja suspensa, “as consequências serão graves”, pois haverá “precedente perigoso, que dará azo a uma enxurrada de ações similares (efeito cascata/dominó)”, o que colocará no mercado de trabalho inúmeros bacharéis cujos mínimos conhecimentos técnico-jurídicos não foram objeto de prévia aferição. Com isso, “porão em risco a liberdade, o patrimônio, a saúde e a dignidade de seus clientes”. No pedido a OAB lembra ainda que a liminar do TRF-5 causa
[...] grave lesão à ordem pública, jurídica e administrativa da OAB, uma vez que impede a execução do comando constitucional que assegura aos administrados a seleção de profissionais da advocacia com a observância das exigências legais.Para o ministro-presidente do STJ Ari Pargendler, o fundamento da discussão é constitucional e já foi identificado como de repercussão geral em um recurso extraordinário no STF. A nota do STJ explica ainda que o
[...] exame de ordem é previsto no Estatuto da Advocacia, segundo o qual todos os que almejam ser advogados e exercer a advocacia devem submeter-se à prova (artigo 8º da Lei n. 8.906/1994).Quando chegar ao Supremo, o processo poderá ser analisado pelo presidente ou ser julgado junto com o Recurso Extraordinário que lá se encontra, com a mesma causa de repercussão geral (RE 603.583/RS).
De acordo com a assessoria de imprensa do STF, não há previsão de quando deve ocorrer o julgamento. As atividades do Tribunal só serão retomadas em 1º de fevereiro.
▬► Conheça as duas posições sobre o tema em artigo do Recanto das Letras: "Exame da OAB - Flagrante inconstitucionalidade e a repercussão geral”, de Carlos Alberto Ferreira Pinto (2010).
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